segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Como alinhar a Mentalidade Enxuta aos requisitos do Sistema de Saúde?

Como alinhar a Mentalidade Enxuta aos requisitos do Sistema de Saúde?


Muitos profissionais e executivos da saúde têm duvidas sobre a aplicabilidade da mentalidade enxuta no sistema de saúde. É fácil de entender a rejeição da comparação de carros com pessoas e o paralelo do sistema de saúde e uma linha de produção de automóveis. No entanto, nas poucas – por enquanto – instituição de saúde que desenvolvem iniciativas dentro da mentalidade enxuta é notável o entusiasmo com os resultados e com o alinhamento das iniciativas enxutas aos requisitos do sistema de saúde.
Esse entusiasmo é fácil de entender. No início dos anos 2000, o Institute of Medicine (IOM) e o Institute for Health Improvement (IHI) nos EUA definiram de forma muito clara e objetiva quais seriam os requisitos de qualidade para qualquer instituição de saúde e para o sistema de saúde como um todo. As "Seis Dimensões do Cuidado" demarcam claramente o que sociedade como um todo espera do sistema de saúde: Uma Assistência à Saúde Segura; Eficaz; Centrada no Paciente; Eficiente; Ágil; e Justa.
Ao aplicarmos os conceitos fundamentais da mentalidade enxuta, vamos diretamente de encontro a esses requisitos. Os "Fundamentos da Mentalidade Enxuta" são: identificar o valor para o cliente; analisar o fluxo de valor e eliminar desperdício nos processos; criar o fluxo contínuo; criar a produção puxada integrando todas as partes da cadeia de valor; e buscar a perfeição.

Misturando os conceitos: as "Seis Dimensões do Cuidado" e os "Cinco Princípios Lean":
  • Segurança. O sistema de saúde sofre profundamente com a falta de segurança: os processos desorganizados e com interrupções constantes; fragmentações e inconsistências no manejo das informações colocam milhões de pessoas em risco e milhares são vitimas de erros e complicações evitáveis. Ao "identificar e mapear o fluxo de valor" sob a perspectiva do cliente, a mentalidade enxuta pretende criar um processo perfeito, livre de erro, reduzindo drasticamente seus riscos. Todas as "ferramentas enxutas" foram desenvolvidas para buscar essa "perfeição no processo": eliminar os desperdícios de maneira incansável (sendo que os desperdícios associados a "defeito" ou "retrabalho" podem custar vidas no sistema de saúde). O conceito de "jidoka" (que significa "introduzir inteligência na máquina" – usando ferramentas para solução de problemas) é um dos pilares da mentalidade enxuta na busca da perfeição (do processo livre de erro e desperdício).
  • Eficácia. O foco no que é "valor do ponto de vista do cliente" e o "jidoka" definem qual a taxa de eficácia (a "perfeição") esperada em cada processo e dentro do sistema como um todo. A eficácia emerge da padronização e da melhoria contínua, ambos são fundamentos da mentalidade enxuta. Devemos oferecer o "tratamento correto ao paciente certo no momento certo"! 
  • Centrado no Paciente. O fluxo de valor tem como foco o próprio paciente, e os processos e sistemas são desenhados identificando qual é a trajetória do cliente no processo, focando nas suas necessidades e expectativas dentro de cada etapa; criando um fluxo contínuo e suave na trajetória do cliente pelo processo. A mentalidade enxuta é centrada no paciente por definição.
  • Eficiente. Processos enxutos são mais eficientes. O foco na separação do que é "valor" do que é "desperdício"; na implantação de sistemas mais seguros (mais inteligentes) aumentam muito a eficiência do processo reduzindo as taxas de erro (e riscos); o tempo de processamento e aumentando a capacidade de produção do sistema, tornando-o mais eficiente.
  • Agilidade. Processos mais seguros; livres de erro e desperdícios (associados à movimentação, por exemplo); e focados no que cria valor para o cliente são naturalmente mais ágeis, com um fluxo contínuo e livre de interrupções e esperas desnecessárias (processo puxado). A agilidade vem da eliminação do desperdício oculto em processos mal desenhados, inseguros e repletos de erros (riscos), defeitos e retrabalho.
  • Justiça. Um tratamento justo significa oferecer assistência à saúde independente de raça, status social, econômico, geográfico ou religioso. A mentalidade enxuta, ao se comprometer a oferecer "tratamento correto ao paciente certo no momento certo", se compromete também com a justiça na assistência. Mais ainda, ao estar focada no significado do valor para o cliente, pode identificar variabilidades culturais, sociais ou econômicas e buscar a "experiência do cuidado perfeito" para todos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Leia a Integra da Entrevista sobre Lean no IOV cedida a jornalista Luciana Leitão

Essa é a íntegra da entrevista que concedi à Jornalista Luciana Leitão, para a Revista "Fornecedores Hospitalares", edição nº 178 de outubro de 2010, da p.30 à p.40. Na revista, apenas um trecho foi publicado. A matéria está muito interessante e ilustrativa sobre a mentalidade enxuta e seus primeiros passos no sistema de saúde brasileiro.

 

Questões

 

Jornalista: Como o "Instituto de Oncologia do Vale" conceitua 'produtividade'?

 

Carlos F. Pinto: Produtividade para nós significa "criar valor para o cliente e para a organização": como dois lados de uma mesma moeda (ou uma balança): tudo o que produzimos precisa criar valor para o cliente (no caso um paciente, ou uma operadora que contrata nossos serviços para seus clientes) e valor para nossa própria instituição, que é afinal o que nos sustenta. O equilíbrio dessa equação (ou balança) é o que determina para nós "produtividade", que é um termo que não usamos, usamos "criação de valor", do ponto de vista prático, queremos ser mais produtivos criando valor para nossos clientes de forma mais eficiente (aumentando então a "produtividade").

 

Jornalista: E qual a importância da produtividade para a instituição?

 

Carlos F. Pinto: "Criar valor de forma mais eficiente" (produtividade) é garantir um nível melhor de serviços dentro de um mesmo padrão de custo, ou ainda melhor,  aumentando o retorno financeiro relacionado ao serviço prestado. Todas as nossas iniciativas tem como foco melhorar a qualidade dos serviços prestados, aumentando a segurança e o "contato" com o cliente, normalmente ela acaba aumentando também a "eficiência" econômica do processo.

 

Jornalista: Há quanto tempo o Instituto implantou o sistema Lean de gerenciamento. Como e por que surgiu a idéia?

 

Carlos F. Pinto: Estamos trabalhando com a Mentalidade Enxuta desde 2008, quando nossos primeiros projetos de mapeamento foram executados. A mentalidade enxuta surgiu após nosso processo de certificação ONA nível 3 (de Excelência), quando identificamos um volume grande de retrabalho e reprocesso que nos parecia desnecessários, mas que, surgiram no processo de certificação. A mentalidade Lean é, fundamentalmente,  eliminar o desperdício e criar valor de forma contínua, e era exatamente isso que identificamos: muito desperdício em nossos processos que não agregavam valor ao cliente.

 


Jornalista: E por que a escolha do LEAN? O que mais chamou a atenção nesse tipo de proposta? PQ?

 

Carlos F. Pinto: Pelo princípio do conceito de eliminar desperdício e criar valor: essa idéia remete diretamente a o que significa valor para o cliente (seja paciente, cliente interno, fornecedor ou operadora do sistema de saúde). Quando buscamos respostas para essa pergunta, "o que é valor para o cliente?", somos capazes de rever a forma com que prestamos serviços buscando eliminar o desperdício que às vezes é imperceptível. O Institute of Medicine (IOM) e o Institute of Health Improvement (IHI) nos EUA afirmam que entre 30 e 50% de tudo o que é gasto com a saúde é desperdício, pura e simplesmente.

 

Jornalista: De quanto foi o investimento?

 

Carlos F. Pinto: Um dos grandes pilares da mentalidade enxuta é que é possível "crescer sem investir". De fato houve investimento em capacitação, que não teve impacto algum dentro do orçamento previsto para treinamento entre 2008 e 2010.

 

Jornalista: E em termos financeiros, já deu pra sentir o retorno desse investimento?

 

Carlos F. Pinto: Nosso planejamento estratégico para 2010 tem como meta um retorno superior a R$ 150.000,00 com os projetos abertos no que nós chamamos de ano 1 do planejamento (entre 2008 e 2009 Lean foi tratado como projetos isolados e em 2010 está sendo tratado como iniciativa da organização), já descontando o investimento em treinamento e capacitação externa.

Existem alguns ganhos não diretamente computáveis: entre 2008 e 2010 aumentamos em 15% nossa produção, aumentando apenas 4% nossa força de trabalho. Diversos novos serviços foram oferecidos aos nossos clientes sem que qualquer custo fosse agregado aos contratos. Os indicadores de satisfação dos clientes internos e externos estão estáveis ou em ascensão.

 

Jornalista: Qual a estrutura da equipe responsável pelo gerenciamento lean no hospital?

 

Carlos F. Pinto: A gestão da qualidade é responsável pela iniciativa, mas todos os líderes e gerentes respondem por projetos ou intervenções. Todos foram capacitados para gerenciar e administrar projetos de implantação lean. Como liderança, eu tomo parte direta em coordenar alguns projetos e todo o processo de alinhamento lean.

 

Jornalista: E qual o principal trabalho dessa equipe?

 

Carlos F. Pinto: Hoje trabalhamos em times multiprofissionais que – alinhados à estratégia da organização – se ocupam de projetos de implantação lean e relacionados a Acreditação Canadense. Temos continuamente 4 a 6 projetos abertos de melhoria contínua envolvendo os times, times de auditoria e um time de líderes que semanalmente discutem, propõem e debatem as iniciativas futuras e sustentam as atuais. 

 

Jornalista: Na PRÁTICA, como é realizado esse trabalho? (explique com detalhes).

 

Carlos F. Pinto: A mentalidade enxuta envolve diversas técnicas de administração e basicamente, solução de problemas que visem continuamente eliminar o desperdício e criar valor. A palavra chave aí é "continuamente". Isso envolve uma transformação cultural que leva anos para se estabilizar. Na prática, o time que lidera a implantação lean passa a maior parte do tempo discutindo solução de problemas e buscando uma melhor forma de prestar serviço, seja eliminando desperdício para o cliente ou criando mais valor. O foco é aumentar o tempo disponível dos profissionais para contato direto com o cliente – ação que entendemos ser plena de valor.

 

Jornalista: Quais os benefícios sentidos desde a implantação?

Carlos F. Pinto: Só para listar alguns: na farmácia economizamos mais de 1 hora de trabalho por dia para os farmacêuticos, tempo esse agora dedicado à assistência farmacêutica, para reconciliação medicamentosa e educação dos pacientes e familiares. Na assistência de enfermagem, diversos processos foram eliminados – AUMENTANDO A SEGURANÇA PARA O PACIENTE  - usando a combinação de mapas de fluxo de valor e HFMEA (ferramenta para análise do modo e efeito da falha na saúde). Inúmeros controles visuais foram implantados e muitos quilos de lixo foram eliminados do nosso dia-a-dia. Muitos atrasos e desperdícios durante o processo de consulta e atendimento médico foram eliminados, aumentando a capacidade produtiva e a eficiência no processo. A taxa de erro de cobrança de guia faturada caiu a zero; o tempo para processar uma guia caiu de 10 horas (dois dias) para 4 horas.

 

Jornalista: Dá para mensurá-los?

 

Carlos F. Pinto: A mentalidade enxuta é um pouco parecida com o seis-sigma nesse sentido: é preciso mensurar tudo, só medindo e analisando as informações é que seremos capazes de encontrar soluções relevantes. Às vezes contamos quantos passos um colaborador dá para executar uma tarefa... Uma das mais interessantes é a análise de Pareto: 20% de suas atividades respondem por 80% dos seus resultados; por outro lado, 80% dos seus problemas estão em apenas 20% do que você faz. Todos nossos resultados são mensurados e calculados para que os benefícios fiquem evidentes. Dentro do alinhamento estratégico desse ano assumimos que pretendíamos eliminar R$ 170.000,00 de desperdício. Para 2011 estamos desenvolvendo ferramentas mais eficientes para avaliar nossa iniciativa de implantação lean, focada não apenas na eliminação do desperdício, mas também na criação de valor. É uma curva de aprendizagem.

 

Jornalista: Como eram os processos do hospital (em termos operacionais ) ANTES da implantação do Lean Management e DEPOIS?

 

Carlos F. Pinto: Nós estamos no nosso chamado Ano 1, onde pretendemos estender a implantação para ao menos 1 processo dentro de cada setor. Não somos uma organização lean. Onde ele já foi implantado, as diferenças são notáveis, no contato com clientes externos – por exemplo – reduzimos drasticamente o processo de aprovação de guias com alguns contratos, em outros padronizamos pré aprovações que não dependem de contato telefônico/eletrônico.

 

Jornalista: Quais as principais mudanças sentidas na prática pela instituição?

 

Carlos F. Pinto: Passamos a perguntar " Por que?" para tudo que fazemos? "Por que faço isso? Por que faço assim?". É uma transformação cultural em processo, estamos muito distante de uma instituição com implantação lean madura.

 

Jornalista: Qual o maior desafio enfrentado pelo setor médico-hospitalar quando falamos em produtividade? Por que?

 

Carlos F. Pinto: É uma opinião pessoal, mas acho que o termo está "grávido" de significado. Usamos o termo "valor para o cliente e para a organização", como sendo "mais produtivos criando valor para nossos clientes de forma mais eficiente". Isso expressa exatamente o que pretendemos e nos afasta do conceito de "produção em massa" e da idéia de que nossos clientes são "produtos": são pessoas num momento de fragilidade, insegurança, sofrimento e dor; tornar nossa intervenção "mais rica em valor" é ser mais produtivo. Acho que quando damos uma compreensão mais específica ao conceito (que pode ser aplicado perfeitamente numa fábrica de automóveis ou fraldas), entendemos melhor nossa missão.

 

Jornalista: Dados de uma consultoria especializada em processos indica que, em determinado hospital, as enfermeiras gastam em média apenas 32% do tempo de trabalho e os médicos 41% realmente exercendo alguma atividade que agrega valor ao paciente. O restante envolve reuniões, documentações, caminhada – transporte, espera, informação – pesquisa e procura. No caso do Instituto de Oncologia do Vale, em relação às áreas operacionais, qual delas acaba dando mais desperdício ao hospital? Por que?

 

Carlos F. Pinto:  Identificamos diversos focos de desperdício onde nem se quer imaginávamos haver. Toda organização sabe onde está o seu maior problema: na recepção dos ambulatórios, no pronto socorro, na UTI. Na mentalidade enxuta é fácil começar – que foi o que fizemos – perguntamos: qual é o pior lugar daqui para o nosso cliente? Foi lá que começamos. O mapeamento da cadeia e do fluxo do valor eliminou desperdício em vários setores simultaneamente...

 

Jornalista: E como tudo isso está sendo solucionado?

 

Carlos F. Pinto: Aplicamos as ferramentas de forma sistemática, desdobrando a implantação através da organização.

 

Jornalista: A busca pela melhoria contínua exige uma mudança de comportamento e um envolvimento dos colaboradores muito grande. A aceitação deste novo processo no Instituto de Oncologia do Vale foi tranquila ou houve resistência?

 

Carlos F. Pinto: Sempre haverá resistência e aversão ao novo. Lean envolve também  respeitar profundamente as pessoas e criar valor também no trabalho. Apesar de alguma resistência inicial, após o 2º ou 3º projeto, as melhorias começaram a ficar mais evidentes e a adesão vem crescendo. É fundamental oferecer a todos ferramentas para trabalhar. Hoje mais da metade dos colaboradores do IOV tem algum nível de capacitação em lean.

É também importante reconhecer que existem técnicas muito eficientes de gerenciar mudanças, e elas foram muito úteis no IOV. Uma das primeiras e principais resistências é a idéia de que "enxugar" é mandar pessoal embora... isso contraria o princípio de "respeito pelas pessoas" e é catastrófico para qualquer implantação. É fundamental o comprometimento da alta liderança, não só participando mas entendendo profundamente o significado da "mentalidade enxuta", e garantindo que nenhuma demissão será motivada pela iniciativa (o que nós fizemos). 

 

Jornalista: Em relação à produtividade, que recado você daria aos gestores hospitalares?

 

Carlos F. Pinto: Pense em "agregar valor" e "eliminar desperdício", essas são sem dúvida as mais poderosas ferramentas de trabalho que já vi. Ao pensar em "aumentar a produtividade"; um gestor pode estar apenas eliminando valor ou aumentando o desperdício ou os dois ao mesmo tempo...e isso nós vemos acontecer com freqüência no sistema de saúde.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Pensar Enxuto Aumenta a Segurança do Paciente

Muitas pessoas entendem que o pensamento enxuto está focado na redução dos custos e – eventualmente – na redução da qualidade da prestação de serviços. Na verdade, é exatamente o contrário. A incorreta compreensão do que é o pensamento enxuto é uma grande barreira a sua disseminação.

 

Olhando para a segurança dos processos e os erros médicos:

Um erro médico não é provocado por um único indivíduo cometendo um único erro em determinada etapa do processo; na maioria das vezes, vários erros são necessários até que um evento adverso ou lesão afete o paciente.

 

Num processo com várias etapas – como uma prescrição de medicamentos para um paciente que tem de 40 a 60 etapas – as chances de erro são enormes. A Tabela abaixo mostra a probabilidade de sucesso em cada uma das etapas do processo. Se cada um dos 50 passos (de uma prescrição médica) tem UMA chance em 100 (1/100) de erro; ou seja, a probabilidade de sucesso é de 99%; a taxa esperada de sucesso para todas as 50 etapas é de APENAS 61%. Ou, mais claramente, o processo será concluído perfeitamente apenas 61% das vezes.

 

 

Chance de sucesso na execução dos processos:

Etapas

0,95

0,990

0,999

0,999999

1

0,95

0,990

0,999

0,9999

25

0,28

0,78

0,98

0,998

50

0,8

0,61

0,95

0,995

100

0,006

0,37

0,90

0,99

 

Existem pelo menos duas maneiras de aumentar a chance de sucesso: aumentando a confiabilidade do processo com mais controle (usando mais recursos e aumentando o custo do processo); ou eliminando etapas (economizando recursos e ainda assim aumentando a segurança).

Muitas vezes decidimos aumentar o controle do processo sem uma análise detalhada dos seus riscos e do que efetivamente promove o erro e aumenta o risco, aumentamos em mais 1 ou 2 etapas e mais ainda as chances de erro...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Por que usar lean na saúde?

Essa pergunta precisa ser respondida com muito cuidado. O termo “lean” (enxuto) foi associado ao sistema de produção da Toyota e aplicado em diversas indústrias (que não a automobilística) com muito sucesso. Na saúde sua aplicação se confunde com a idéia de mecanização e “desumanização” do atendimento, tornando a assistência mecanizada, impessoal e “fria”. Mas o que acontece é exatamente o contrário; a “mentalidade enxuta” tem seu foco claramente definido nas necessidades do cliente, de acordo com seus 5 princípios universalmente aceitos:
  • Especificar o valor do ponto de vista do cliente (paciente);
  • Identificar a cadeia de valor para diagnosticar e tratar o paciente removendo etapas desnecessárias;
  • Permitir que o fluxo do paciente seja suave e rápido através de cada etapa;
  • Equilibrar demanda e capacidade permitindo eliminar as filas dos processos;
  • Buscar a perfeição através da melhoria contínua das cadeias de valor.

A mentalidade enxuta busca, em última análise, eliminar o desperdício e criar valor para o cliente/paciente. E é isso o que vemos quando aplicamos seus princípios num serviço de saúde, aqueles já diretamente envolvidos nas nossas iniciativas já sabem disso.

Os principais argumentos contra o seu uso não se sustentam com uma análise um pouco mais rigorosa, vejamos exemplos:
  • “Não existem pacientes padronizados” – é verdade! Mas a maioria dos pacientes segue fluxos de atendimento “padronizados” que podem ser melhorados e executados através de um fluxo suave e contínuo, existem rotinas muito claras para tratamento de infarto do miocárdio, câncer de mama (e quase todos os outros), AVC, diabetes, hipertensão, etc.; sem contar as rotinas de admissão, pré-operatório, alta, e assim por diante. Olhar através desses processos e identificar o desperdício e a cadeia de valor são atitudes lean que “não padronizam pacientes”, padronizam processos.
  • “Mas padronizar inibe a inovação” – o contrário é que é verdade: se você não tem controle sobre seu processo, você não é capaz de inovar. Centros que participam de estudos clínicos sabem disso e o trabalho que é padronizar práticas para atender requisitos de qualidade do estudo quando não há padronização alguma na rotina do dia-a-dia.
  • “Mas nossa demanda é imprevisível” – NÃO, a demanda é altamente previsível, nós é que devemos entender seus picos e suas baixas e nivelar a carga de trabalho. Todo faturamento de hospital trabalha 5 vezes mais na última semana do mês, mas os pacientes recebem alta ao longo do mês indistintamente.
  • “Mas cada paciente é diferente” – de fato, mas apenas 6% dos procedimentos em um hospital representam mais de 50% da carga de trabalho. Organizando o fluxo desses 6% de procedimentos organiza 50% do tempo, liberando mais tempo para os outros 94% dos casos...

Capa do livro “On the Mend:
Revolucionando a Saúde para salvar vidas
e transformar o sistema”
.
Muitas instituições reconhecem na mentalidade enxuta uma forma de “revolucionar” o sistema de saúde, reduzindo o custo e ao mesmo tempo, aumentando a qualidade e a satisfação do cliente. Nessa revolução é necessário o comprometimento de todos: da alta liderança até o nível operacional; todos devem estar comprometidos em criar valor para o cliente reduzindo o desperdício do sistema.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

GENBA: GERENCIAR NO LOCAL DE TRABALHO


Genba” é uma palavra japonesa que significa o “lugar real”. Detetives japoneses chamam a cena do crime de “genba”, assim como repórteres da TV fazem referências como “falando ao vivo do genba”. Na indústria, “genba” é considerado como “chão de fábrica”, e se refere, geralmente, ao local onde o “valor” da manufatura é criado: carro é montado, motor é fundido, ou onde a “injeção é aplicada”; é onde a atividade fim é executada diretamente.
Na mentalidade enxuta, a idéia de genba se refere ao local onde os problemas são visíveis e as melhores idéias para melhoria dos processos irão emergir. Taiichi Ohno, um dos criadores do Sistema Toyota de Produção (TPS) usava o termo “Genba  Keiei”, que significava “administrar no chão da fábrica”, que era, nada mais do que o Gerente da Fábrica circular, sistematicamente, através de todas as células da produção. O “Genba Walk” é muito parecido com o conceito de MBWA (“management by wandering around”, popularizado por Tom Peters e Robert Waterman), em português, “Gerenciar andando pela Empresa”. O fundamento da idéia é trazer as lideranças da organização para as atividades de linha de frente, identificando problemas, oportunidades de melhorias e tratando de fatos reais, não números ou relatórios – que não são menos importantes, mas ganham outra dimensão quando compreendemos o porquê daquele resultado, compreendendo o real impacto da atividade e seus problemas, e coletando dados não “visíveis” num relatório mensal.
O “passeio de um líder” através do “genba” deve exibir interesse pela atividade, pelos pontos fortes e fracos do processo, pelos resultados e questionando o supervisor ou operador da área; essa postura demonstra o respeito da organização pelo trabalho realizado, estimula a troca de idéias experiências e a discussão dos problemas – enquanto eles acontecem: é muito diferente um supervisor ouvir uma reclamação sobre a dificuldade em executar uma tarefa OU o supervisor presenciar as dificuldades associadas à execução daquela tarefa. Quantas empresas têm “quadros de desempenho” na parede que ninguém efetivamente controla? O “passeio” que analisa e discute essas informações postadas no quadro demonstra o quanto o trabalho que está sendo realizado naquele setor é importante para a empresa, sendo reconhecido em todos os níveis da organização.

O “genba walk” é também uma poderosa ferramenta de comunicação horizontal e vertical na organização.
Taiichi Ohno“Análise de dados é muito importante na indústria, mas eu coloco maior ênfase nos fatos.”

Para que o “genba walk” seja bem sucedido, é fundamental que a “visita” seja sistematizada. As etapas sugeridas são:
1.     Selecione um tema para cada “passeio”.
2.     Questione os supervisores.
3.     Ouça atentamente, é um exercício e um aprendizado para o líder.
4.     Compartilhe o que você já aprendeu enquanto caminha pela empresa.
5.     Escreva um pequeno resumo do que foi aprendido e poste para que todos tenham acesso (use um formulário padrão se quiser)
6.     De seguimento as melhorias propostas, acompanhe o
progresso.
Como implantar a Mentalidade Enxuta?
(adaptado de Jim Womack, tradução de Christopher Thompson), texto original no http://www.lean.org.br

“Comece analisando o trabalho a ser feito”, defina o que é valor, o que é trabalho incidental e o que é desperdício.

  • Trabalho que agrega valor. Atividades que são parte essencial do serviço prestado: aplicar injeção, consulta médica, prescrição médica, preparar medicamento. Do ponto de vista do cliente, agregar valor é o motivo de sua visita ao serviço, todo cliente estará atrás de algum serviço “final”: consulta médica, sessão de quimioterapia, avaliação de dor, exame etc.
  • Trabalho incidental. São atividades necessárias (pelo menos por enquanto), mas que não interessam ao cliente: descarte do lixo hospitalar (após o cliente tomar sua aplicação); preenchimento de guia e cobrança; manutenção preventiva do ar condicionado da capela ou do telefone da recepção... nenhum cliente pagaria a mais pelo  preparo dentro da cabine de fluxo laminar (já que é uma exigência legal, e manter ela em funcionamento é requisito para o serviço).
  • Desperdício. Atividades que não criam nenhum valor e podem ser eliminadas completamente. Retrabalho é o maior exemplo: preenchimento errado de guia, movimentação para autorização de guia, por exemplo: cliente vem ao serviço, retira guia, vai ao convenio, autoriza guia, retorna ao serviço para realização – e afinal – sua visita que poderia ser uma só, virou um ir e vir cansativo.

Como eliminar as etapas desnecessárias?

Simples, padronizando o ambiente de trabalho e as tarefas (e os processos). Dessa forma, o trabalho poderá ser de fato “trabalho criativo”, e não apenas uma repetição de erros e controle sobre os produtos (ou serviços) defeituosos (que deram errado).

Como?

Quantas vezes guias são preenchidas erradas por falta de padronização ou pacientes voltam ao serviço porque a receita ou o pedido do exame estava incompleto? Essas atividades devem “ser bem feitas da primeira vez” mas, como uma guia TISS tem mais de 50 campos a preencher, é muito “fácil” esquecer um ou outro...

O que acontece é que passamos muito tempo corrigindo erros que – podem não ter gravidade alguma – mas tomam tempo precioso que poderia ser dedicado ao paciente, criando mais valor e satisfação para o cliente e para nós.

Padronizar o trabalho na verdade, é a única forma de alcançar “a melhoria contínua dos processos”, pois só assim poderemos gastar energia melhorando processos confiáveis, e não corrigindo, monitorando ou controlando, e pior, retrabalhando processos que continuamente terminam em erro.

Por isso é que na base do Pensamento Enxuto (Sistema Toyota de Produção), está o trabalho padronizado, como na figura abaixo.


Hospital Municipal em São José dos Campos tem fila de três horas

“Hospital Municipal tem fila de três Horas” O Vale, Sábado, 21 de agosto de 2010

Notícias ruins envolvendo serviços de saúde é a rotina. Filas enormes, erros freqüentes colocando em risco a vida de milhares de pessoas que buscam soluções para problemas e que, com freqüência, encontram mais problemas. Nos EUA, das 110 milhões de prescrições de antibióticos por ano, quase a metade é considerada desnecessária; 2 milhões de pacientes adquirem “infecções hospitalares”, levando a quase 100 mil mortes aproximadamente outros 100 mil morrem em eventos associados a “erro médico”. Mais de 30% do que é gasto com saúde que é apenas desperdício poderia ser eliminado ou evitado. Números assustadores e impressionantes que, se compararmos com nossa infra-estrutura assistencial, seriam ainda mais alarmantes no Brasil.

Uma revolução silenciosa vem ganhando espaço nas instituições de saúde no mundo e com resultados impressionantes, mas ainda pouco conhecida no Brasil: a Mentalidade Enxuta. Usando princípios do modelo de produção adotado pela Toyota há décadas, a Mentalidade Enxuta (Lean) foca essencialmente no cliente, como criar valor e produzir os resultados esperados pelo cliente. O que quer um cliente que chega ao pronto socorro? Certamente alívio rápido do seu sofrimento, seja ele qual for. E como melhorar esse acesso? A Mentalidade Enxuta envolve uma mudança de paradigma para um novo “estado mental”, e essa nova mentalidade é de fato revolucionária na forma com que prestamos assistência.

Sobrecarga de trabalho, excesso de responsabilidades e insatisfação são a rotina nos serviços de saúde, e não poderia ser diferente no Serviço de Oncologia Clínica do Hospital Regional do Vale do Paraíba, responsável pelo tratamento quimioterápico de boa parte dos pacientes com câncer na região (que realiza hoje, mais de 1.000 procedimentos de alta complexidade/mês), o serviço vem utilizando técnicas de gestão enxuta há 2 anos com resultados impressionantes; sendo o mais relevante deles o aumento em 60% da capacidade de atendimento entre 2007 e 2010, aumentando a qualidade do serviço ofertado (Certificado com Excelência pela ONA em 2009), reduzindo a sobrecarga de trabalho sobre os colaboradores e eliminando boa parte do desperdício; investindo apenas na melhoria dos processos de atendimento através da “mentalidade enxuta”, focados no cliente.

Infelizmente pouca informação e muito preconceito retardam a disseminação da Mentalidade Enxuta nos sistemas de saúde do Brasil; mas países como Canadá e Reino Unido, onde a assistência é predominantemente pública, ela vem sendo aplicada com tremendo sucesso, ampliando o volume e a qualidade dos serviços dentro dos recursos disponíveis. Numa implantação Lean, o primeiro setor atacado é sempre o pronto-socorro, o “gargalo” de todo hospital; lá as mudanças são rapidamente revertidas em benefícios: menos filas; menos risco; menos desperdício; mais satisfação e valor para todos, clientes (pacientes) e profissionais.

Há sim uma forma de “enxugar a fila” no Hospital Municipal, e resolver inúmeros outros problemas nos sistemas de saúde; mas a solução “Lean” não começa por aumentar no número de profissionais disponíveis para atendimento; começa olhando através dos olhos do cliente, como uma nova forma de encontrar soluções para os mesmos problemas.